Fale um pouco sobre sua carreira
Meu nome é José Roberto Portella Filho, conhecido como Beto Portella, sou natural da cidade de São Paulo e atualmente sou Treinador da Categoria Sub-15, Auxiliar Técnico e Preparador Físico da Seleção Principal do Paquistão, tenho formação em Educação Física pela Faculdade FMU de São Paulo, sou treinador licenciado pela CBF (Licença A) e fui atleta profissional de futebol.
Como jogador atuei até o ano de 2009, sendo a minha última equipe como profissional, o Nacional Atlético Clube de São Paulo. Em 2010 comecei a trabalhar no próprio Nacional como treinador da equipe sub-17, preparador físico e auxiliar técnico da equipe profissional. A partir de 2010 passei por todas as categorias do clube, sendo Sub-15, Sub-17 e Sub-20 como treinador. Depois virei coordenador das categorias de base e continue como auxiliar técnico da equipe principal, ou seja, passei por todas as categorias do clube de 2010 a 2015.
Em 2015 fui para o Guaratinguetá como treinador da equipe profissional, onde disputamos na Turquia a INTERNATIONAL ROYAL CUP, sendo um torneio muito interessante onde disputaram grandes clubes europeus, depois de 2 meses voltei para o Brasil e retomei meu trabalho no Nacional como coordenador da base e treinador do Sub-17 e Sub-20.
Em 2016 me transferi para o Grêmio Osasco onde fiquei até julho, e depois me transferi para o Clube Atlético Sorocaba ficando até novembro. Em 2017 voltei como coordenador da base do Nacional mais uma vez assumindo como treinador da categoria Sub-20.
Em maio de 2018 acertei minha vinda para a seleção Profissional do Paquistão, e nesse momento da minha carreira estou aprendendo muito porque o treinador principal da Seleção é o renomado técnico brasileiro José Nogueira que possui a licença Pró da CBF e uma vasta experiência no futebol. Então pra mim está sendo um aprendizado a cada dia e a nossa relação é muito boa, sadia e muito fidedigna.
Fale um pouco da função de um auxiliar técnico dentro de uma seleção.
Aqui na seleção tive que acumular duas funções, preparador físico e auxiliar técnico, pelo motivo do país não ter hábito e nem a cultura da preparação física. Então faz parte da minha função, analisar e editar vários jogos, fazer escalte de treinos e jogos, dosar as cargas de treinamentos como intensidade e volume, ser um intermediador entre os jogadores e treinador principal, ser um intermediador entre a diretoria e o treinador, e acima de tudo blindar o treinador de qualquer tipo de problema que possa atrapalhar a conduta dele com o time. Outra parte da função que eu exerço é a organização de treinos, jogos e viagens; como (organização de horários e locais de almoço), (horários e locais de treino) e a qualidade do gramado. Tudo isso eu filtro para passar os treinos com clareza e objetividade.
Quando vamos viajar de ante mão, eu também, organizo as acomodações dos atletas como a numeração dos quartos quando nós viajamos, organizo a relação dos campos de treinamento, a distância entre o hotel e o estádio, ou seja, “minha função está sendo organizar todo tipo de treinamento, planejar, organizar e filtrar todas as informações pra que elas cheguem de forma clara e objetiva para que não perca tempo com coisas irrelevantes”.
A Federação Paquistanesa pediu uma licença com a FIFA em 2005. Por quê?
O Paquistão teve um grande problema político em 2015, quando um grupo da oposição política invadiu a federação paquistanesa de futebol com dezenas e dezenas de homens armados com metralhadoras e facas, esses homens rederam os seguranças e entraram dentro da federação, colocaram fogo em todos os documentos que eram em forma de papel e roubaram todos os computadores com os documentos que eram em formatos de software, ou seja, todos os documentos referentes a federação com a FIFA foram roubados ou queimados. Todos os equipamentos como bolas e uniformes foram perdidos ou roubados também, além disso, colocaram fogo em vários quartos e salas de reuniões da federação, e por esse motivo a federação paquistanesa pediu uma licença com a FIFA, ficando quase 4 anos inativa de 2015 a 2018. Em março desse ano eles voltaram as atividades na sede da federação ainda em reforma, eu particularmente morava no quarto que tinha o teto queimado pelo Incêndio.
Como você vê a estrutura do país no futebol?
O Paquistão atualmente ocupa a posição 201 do ranking oficial da FIFA. O País está muito atrasado no futebol em relação as outras seleções, principalmente os países desenvolvidos no futebol, como é o caso do Brasil, Portugal, Inglaterra, Espanha, Itália, Japão, enfim, uma série de outros países. Então nesse aspecto eles estão muito atrás, a intenção é realmente de fomentar, incentivar e colocar qualidade na liga doméstica, para que isso desenvolva o futebol local e automaticamente melhore o nível dos atletas.
O futebol é o segundo esporte do país, eles tem intenção de que o futebol cresça, mais primeiramente precisa criar uma liga doméstica mais forte, competitiva e de alto nível, coisa que hoje não temos, então o primeiro passo é esse. O segundo passo é a seleção melhorar no ranking da FIFA e chegar o mais longe possível nas competições que for disputar. A meta é em 2 anos conseguir colocar o Paquistão num patamar mais adequado e não continuar na posição de 201, queremos chegar na posição de 160 ou 170 no ranking da Fifa.
O esporte mais praticado no Paquistão é o Críquete, inclusive esse esporte é top 5 no mundo, se eu não me engano o país ocupa a quarta ou quinta colocação no ranking, então, o Críquete aqui é muito conhecido e disseminado, até pela facilidade de se jogar, não precisa de gol de trave, só precisa de um campo ou uma rua e poucos jogadores, então é muito fácil de se praticar.
Como é a religião?
Eles são extremamente praticantes da religião Islâmica (mulçumano), frequentam a mesquita deles todas as sexta-feiras, sendo um dia sagrado como se fosse nosso domingo. Mais eles rezam a todo momento (antes, durante e depois dos treinos), eles possuem mesquitas próximas com alto falantes e quando inicia uma reza eles param para rezar. São 100% religiosos, 100% seguidores do alcorão, 100% da prática islâmica. O engraçado é que eles sempre nos agradece pelo respeito em relação a religião deles, quando eles estão na prece deles, eu e o Prof. Nogueira fazemos a nossa prece católica (Cristã), não temos confronto e nem conflito, convivemos muito bem. Mais é um povo que vive para Alá, que é o Deus deles, e é assim 100%, não tem meio termo, são literalmente bitolados em termos religiosos.
Qual é a sua expectativa para sua carreira?
Eu nunca tinha trabalhado em uma seleção e poder trabalhar é um sentimento completamente diferente, ainda mais representando uma nação de mais de 220 millhões de habitantes. Eu sempre trabalhei em clubes pequenos como Nacional, Guaratinguetá, Atlético Sorocaba e Grêmio Osasco, são clubes municipais praticamente regionais que não tem tanta torcida, e trabalhar em uma seleção tem uma magnitude muito grande e uma exposição de área bem ampla, todo dia tem cobertura de imprensa e sempre tem alguém querendo saber como foi o treino. Então a responsabilidade naturalmente fica maior, não temos margem para erro, porque um erro pode ser fatal, a organização é imprescindível, a sabedoria, e acima de tudo o profissionalismo para saber lidar com todas as adversidades e poder prosperar mediante todas as dificuldades também.
“Então minha expectativa é permanecer na Seleção do Paquistão” é uma seleção, obvio, que está engatinhado na bola não podemos negar, não é igual uma Seleção Brasileira, Argentina ou Espanhola, estamos a quilômetros de distância entre uma seleção top e a nossa, mais a passos largos a gente pretende em 2 ou 3 anos conseguir grandes objetivos, principalmente na região asiática que é a nossa sede. Queremos cada vez melhorar nas competições e fazer com o que as outras seleções comecem a temer a seleção paquistanesa. Queremos que elas pensem “Vamos jogar contra a seleção Paquistanesa e vai ser um jogo muito difícil, e não aquela baba do Paquistão”, a primeira ideia é mudar a concepção dos adversários em relação a nós.
Poder continuar aqui e obviamente acompanhar o Prof. Nogueira é importantíssimo para minha carreira e crescimento pessoal, ele foi imprescindível para a minha vinda, se não fosse ele eu não estaria aqui, então agradeço ele diariamente, sou seu fiel escudeiro e ele tem um parceiro aqui que sou eu, em todas as horas, como horas boas e ruins. Mais poder continuar a seguir ele possivelmente aqui ou onde quer que ele esteja seria muito importante para mim. Quero tentar realmente trabalhar em outra seleção daqui uns anos, numa seleção melhor ranqueada na FIFA, mais a intenção principal por agora é continuar no Paquistão, mesmo que apareça outras ofertas eu tenho muito interesse de ficar aqui com o Prof. Nogueira onde nós temos uma meta, e como ele costuma falar, “a gente deve cumprir a nossa meta”, então espero que as coisas possam se desenrolar da melhor maneira possível e que a gente permaneça mais alguns anos para poder disseminar cada vez mais o nosso conhecimento.
Está tendo dificuldade na adaptação?
Eu cheguei aqui na época de Ramadã que é uma época muito difícil, muito difícil mesmo, pra quem é praticante já é complicado imagina pra quem não é. Existe um jejum que dura o dia inteiro e para explicar melhor, os atletas podem tomar água e se alimentar das 19:00 as 02:45 da manhã, depois disso eles não podem se alimentar e nem beber água, então tem só esse período curto para comer e beber água, e depois eles passam o dia inteiro sem se alimentar. Para eles que vem na rotina de vários e vários anos eles sentem menos, agora, eu e o professor Nogueira sentimos muito, nós não queríamos ser indelicado e afrontar a cultura e a religiosidade deles e comer alguma coisa, então tentávamos ao máximo não comer, e quando a gente estava no ápice da vontade de quase passar mal procurávamos alguma loja como o Subway ou McDonald’s, e mesmo assim estava fechado. Então nós comíamos pão, torrada, comia chocolate, bolachas para tapiar a fome. Nós tínhamos que aguardar até a hora sagrada deles terminar para liberar a comida e a água, foi um período muito difícil, alguns atletas passaram mal durante os treinamentos, nós não podíamos diminuir a intensidade devido ao calendário, porque poderíamos ficar para trás, e ao mesmo tempo precisamos entender que eles estavam na época de Ramadã, nós tiramos o pé um pouquinho mais não o suficiente para atender a demanda energética deles, que era de não se alimentar, então foi um período difícil para eles e para nós também que não estamos acostumados, em muitos momentos sofremos tonturas e muita fome mesmo.
Fale um pouco sobre a comida Paquistanesa e a sua moradia no país
A Comida paquistanesa é muita boa, é “gostosa e saborosa”, mais tem um grande problema, eles colocam pimenta em tudo e pimenta fortíssima, eles colocam pimenta inclusive na melancia, no melão, na banana. Então pensa, se eles colocam pimenta nas frutas imagina no frango e no arroz, sofri muito com isso, muito mesmo, até o momento que tive uma intoxicação alimentar e fui parar no hospital, fiquei três dias internado tomando soro devido a comida. Mais em resumo é uma comida boa, agora estou dosando e sendo mais inteligente para comer, me alimento em pequenas porções, fujo da dieta 2 ou 3 vezes por semana para comer pizza ou um sanduíche.
Eu morava na sede da federação paquistanesa no local onde foi invadido, só pra lembrar, o meu quarto ainda tinha resquício no teto devido ao fogo que colocaram e o chão do meu quarto era todo quebrado devido a invasão, então tinha dois sinais no meu quarto. Posteriormente a isso eles iniciaram uma reconstrução da federação juntamente com a FIFA e me deslocaram em um hotel bem simples, nada de luxo, é um hotel de uma estrela, mais tem café da manhã, uma cama, tem água gelada não é quente, mais não posso me queixar de nada.
Como está sendo a relação da fala e o clima do país?
A língua oficial deles é o Urdu, é uma língua muito difícil de entender porque eles falam de uma forma muito rápida e ininterrupta, então não é igual nós brasileiros que fala e para, eles falam uma frase inteira sem parar, é uma frase longa que quase não tem interrupção. Eu ainda não sei falar obviamente, mais aprendi algumas palavras como bom dia, boa tarde, boa noite, tudo bem, vamos treinar e contar de 1 a 10, eu aprendi as palavra chaves do dia-a-dia. Nossa comunicação é 100% em inglês, eu posso te garantir que 90% ou 85% do elenco fala inglês, alguns falam muito mal outros um pouquinho melhor e uns mais claramente, mais a maioria consegue se comunicar bem. Mais a comunicação não é problema, principalmente porque a linguagem do futebol ela é universal “impressionante”, você não precisa falar a mesma língua, “A bola automaticamente te eleva a falar a mesma língua”.
Em relação ao clima eu sofri muito foi pior que o ramadã, a temperatura aqui é elevadíssima a gente chegou a pegar 48°graus com sensação térmica de 55°, e no começo eu estranhei muito mesmo, nós treinávamos a noite e mesmo assim a temperatura estava 39°, 40° ou 41° graus. Quando começamos a treinar no período da tarde às 16:00 horas isso depois do ramadã, a temperatura era de 42° graus ainda. Particularmente eu tive muito problema com o calor, até porque eles usam de costume o ar condicionado entre 16° e 18° graus e do lado de fora era 48° graus, esse choque térmico para mim é péssimo porque tenho sinusite, esse é um dos meus maiores problemas é um clima muito seco e com sol todo dia. Quando chove fica 10 ou 15 minutos chovendo e depois para e fica abafado de novo. Então é algo que realmente é muito difícil, é muito diferente do clima do Brasil que é tropical mais específico da cidade de São Paulo.